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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Será que ele vai gostar de mim ?

Olá Bebé,
Ainda não estás entre nós e nem imaginas o que já és desejado aqui na Terra. Quando tiveres um nome e idade suficientes para perceberes tudo aquilo que te quero dizer tenho a certeza de que em nenhum momento vais deixar de amar a vida, pois esta vida já te ama a ti; neste tempo, através de mim, dos teus pais que te vão gerar e de todos os amigos deles que vão querer ser teus tios e tias.


Ainda não chegaste à idade dos porquês e dos pontos de interrogação e já perguntas quem sou eu? Sou aquela que vai deixar de se sentir filha única a partir do dia em que a tua (pronto, nossa!) mãe ler que “sim” no teste de gravidez – o milésimo que ela ainda há-de comprar, tal é a vontade de te ter que qualquer descuido já acha que vens aí... Mas descansa que isto é só em teoria e tu hás-de ser sempre o primogénito. O ventre dela será a estrear para ti e eu nunca cheguei a ser um espermatozóide catalão. Confuso? Não estejas! Os teus pais só me adoptaram com o coração e têm treinado comigo (digo-te já que têm passado em todas as provas com notas que rebentam com a escala) o que é serem na prática pais de alguém. É que, sabes bebé, em teoria os candidatos ao título são muitos, qualquer um pode chamar carinhosamente “filhota” para aqui e para ali… Agora, cuidar no presente incondicionalmente, como se o gerar, parir e criar, num passado que nunca existiu, fossem meros acessórios de um amor que é amor e pronto não está ao alcance de todos.
Eu tenho pais verdadeiros e para esses ficou talvez a parte mais chata: noites mal dormidas (com os teus, hoje, só se for noitadas com copos de vinho do Porto e conversas intermináveis), xixis na cama ou mudas de fraldas mal cheirosas (sabes, com a tua mãe, agora, o que eu faço é “gregoriar-me” – ela já conhece a minha expressão quando o vómito vem aí…), as doenças típicas dos primeiros anos ou os choros a meio da madrugada por deitar fora a chucha. Mas há coisas que eu já fui preparando o caminho para ti e espero que um dia consigas agradecer-me. Porque contigo de certeza que os (teus) pais não serão tão picuinhas quando à mesa disseres que estás cheio, fizeres caretas aos legumes ou nunca te negares à sobremesa (ao contrário da sopa); já sabem bem o que a casa gasta com o meu exemplo! Quando chegares à altura de pedires para ir ao WC, mas nenhum deles à partida tiver vontade de se levantar para te levar, descansa que eles irão logo e nem vão suspirar, pois eu já bati o recorde das vezes que o faço com eles – aliás, a tua mãe já estranha quando a poupo dessas famosas idas a meio de qualquer coisa.
Sabes, mano (deixas-me tratar-te assim?), quando os teus pais me receberam na vida deles eu já tinha idade para estar educada e formada enquanto ser humano. Os meus, felizmente, trataram bem disso. Mas de facto somos todos seres inacabados e em constante aprendizagem. É por isso que afirmo, na minha idade adulta com tamanho de criança (que vais querer que brinque contigo), que no lar do colo, do abraço, do sorriso e da ternura dos teus pais tornei-me ainda mais gente. Eles tiveram o dom de me ensinar, moldar, sublinhar valores e princípios que tu vais perceber que farão de ti um ser abençoado por nasceres com uma combinação única de genes e sangue que eu não tenho, mas que conheço muito bem. Alegra-te com isso e dá-lhe sempre o devido valor, porque este “de onde vens” irá acompanhar-te nas tuas escolhas e decisões para o “aonde vais”. Já estás a ser educado, antes de estares aqui, porque os teus pais continuam a educar-se a si mesmos e um com o outro nesta que é a viagem de serem um casal que sabe errar, perdoar, aceitar, lutar e amar todos os dias. E tu vais ser sem sombra de dúvidas um espelho que reflectirá amor, acima de qualquer coisa. Sabes porquê? Porque mais do que respirares amor entre quatro paredes, na casa que foi comprada também a pensar em ti, vais ler amor em cada olhar dos dois para ti. Vem de dentro para fora, contagia-nos! A história de amor dos teus pais é rara. E por isso especial. Eu que me lembro de cada pormenor vou fazer questão de ser a tua contadora de histórias de serviço, só que neste caso nada é ficção. Tu vais crescer a ouvir o mais maravilhoso conto de amor que alguma vez há-de ser inventado… O deles, que também tem o príncipe que vem de longe para conquistar a mais bela princesa, que com entrega e amor se faz rainha com um propósito tremendo. Até a tua primeira casa (o ventre da tua mãe) foi há poucos dias cuidadosamente colocado em limpezas para te receber a ti em breve. Como vês, só falta mesmo tu apareceres!
Olha, bebé, estou ansiosa à espera do dia em que me caibas no colo e disseres o meu nome pela primeira vez. Como será que me vais chamar: mana, tia ou alguns dos infinitos nomes que a mãe já inventou para mim? Será que vais gostar de mim? Vou esforçar-me por te merecer. Assim como faço por regar a planta do que me une aos teus pais enquanto família e a cada um deles enquanto amigos. Eu já te amo, muito! Sabes que nunca “pedi” um bebé aos meus verdadeiros pais como peço aos teus? Num querer que é demasiado forte para ser explicado com os laços da utopia da nossa árvore genealógica. No entanto, há uma coisa importante que quero que saibas por mim: poucos vão ser os momentos em que eu serei maior do que tu, nenhuns vão ser os instantes em que poderei andar eu contigo ao colo, não vamos poder jogar à apanhada, vais ter de pedir a outra pessoa que te ensine a saltar à corda, não vais ver-me a andar na bicicleta ao lado da tua nem a amparar-te quando te sentares nela pela primeira vez, não vai valer a pena pedires-me para ir jogar à bola para o quintal contigo, não vou ser capaz de te dar banho uma única vez e quando for buscar-te à escola também não poderás contar comigo para te carregar a mochila pesada… Vais gostar de mim da mesma maneira? A culpa não é tua. Nunca penses isso. Também não é minha. Não é de pai ou mãe alguma no mundo. Se algum dia te sentires triste por eu não poder fazer nenhuma destas coisas contigo; ainda que te sintas assim por achares que eu também estou triste; não fiques e lembra-te sempre das coisas boas e diferentes que eu posso vir a fazer contigo e tu comigo. Podemos brincar ao faz de conta… faz de conta que és tu o mais velho e portanto tomas tu conta de mim, boa?!
É que a tua responsabilidade neste mundo é imensa e ainda nem o conheces… mas não tenhas medo, terás sempre aqui uma alma (com pouco corpo) para te acompanhar. Prometo-te que sim. Ao mesmo tempo que te aviso: seres o filho de quem vais ser é de facto por si só algo que fará de ti um grande Homem, por isso orgulha-te e agradece a Deus esse presente.
Ah, é verdade, lá em casa (para além de mim que passo lá a vida) também tens dois gatos, o Gaudí e a Matilde. Trata-os bem que eles também já gostam de ti!

Da tua "irmãzinha" MAFY
 
Fonte:  http://gotanocharco.bloguepessoal.com/
  
Para comprar o livro dessa grande escritora > http://lojinha.espaco-cucas.com/livraria/89-mafaldisses.html
Continue Reading...

O Imperfecta.

 Adriana Dias.

 

Tenho oi.
meus ossos são de cristal
e minha alma se reflete neles,
sentindo, expondo-se,
partindo-se, reconstuindo-se.

tenho oi
minha esclerótida é azul,
minha alma se reflete nela;
meus sonhos são azuis
e azul é o céu
onde minha alma plana,
ascende, encontra-se infinita.

tenho oi,
tenho marcas, cicatrizes
nos ossos, na alma.
tenho sinais na pele,
no rosto, nos olhos,
como todas as pessoas
mas de um jeito muito singular.

tenho oi
e na minha fragilidade
aprendi a respeitar todos os homens,
mulheres e crianças.

tenho oi
e faço dos meus sintomas
um caminho de cura,
de compreensão, de pode contar comigo.

tenho oi;
minha fragilidade me lembra do que é firme,
sólido, real:
a fé.

minha história me denuncia
o que movimenta adaptável:
a esperança.

minha compreensão de mim mesma e do outro
me permite o que é eterno,
insolúvel e inquebrável:
o amor.
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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Será que ele vai gostar de mim ?

Olá Bebé,
Ainda não estás entre nós e nem imaginas o que já és desejado aqui na Terra. Quando tiveres um nome e idade suficientes para perceberes tudo aquilo que te quero dizer tenho a certeza de que em nenhum momento vais deixar de amar a vida, pois esta vida já te ama a ti; neste tempo, através de mim, dos teus pais que te vão gerar e de todos os amigos deles que vão querer ser teus tios e tias.


Ainda não chegaste à idade dos porquês e dos pontos de interrogação e já perguntas quem sou eu? Sou aquela que vai deixar de se sentir filha única a partir do dia em que a tua (pronto, nossa!) mãe ler que “sim” no teste de gravidez – o milésimo que ela ainda há-de comprar, tal é a vontade de te ter que qualquer descuido já acha que vens aí... Mas descansa que isto é só em teoria e tu hás-de ser sempre o primogénito. O ventre dela será a estrear para ti e eu nunca cheguei a ser um espermatozóide catalão. Confuso? Não estejas! Os teus pais só me adoptaram com o coração e têm treinado comigo (digo-te já que têm passado em todas as provas com notas que rebentam com a escala) o que é serem na prática pais de alguém. É que, sabes bebé, em teoria os candidatos ao título são muitos, qualquer um pode chamar carinhosamente “filhota” para aqui e para ali… Agora, cuidar no presente incondicionalmente, como se o gerar, parir e criar, num passado que nunca existiu, fossem meros acessórios de um amor que é amor e pronto não está ao alcance de todos.
Eu tenho pais verdadeiros e para esses ficou talvez a parte mais chata: noites mal dormidas (com os teus, hoje, só se for noitadas com copos de vinho do Porto e conversas intermináveis), xixis na cama ou mudas de fraldas mal cheirosas (sabes, com a tua mãe, agora, o que eu faço é “gregoriar-me” – ela já conhece a minha expressão quando o vómito vem aí…), as doenças típicas dos primeiros anos ou os choros a meio da madrugada por deitar fora a chucha. Mas há coisas que eu já fui preparando o caminho para ti e espero que um dia consigas agradecer-me. Porque contigo de certeza que os (teus) pais não serão tão picuinhas quando à mesa disseres que estás cheio, fizeres caretas aos legumes ou nunca te negares à sobremesa (ao contrário da sopa); já sabem bem o que a casa gasta com o meu exemplo! Quando chegares à altura de pedires para ir ao WC, mas nenhum deles à partida tiver vontade de se levantar para te levar, descansa que eles irão logo e nem vão suspirar, pois eu já bati o recorde das vezes que o faço com eles – aliás, a tua mãe já estranha quando a poupo dessas famosas idas a meio de qualquer coisa.
Sabes, mano (deixas-me tratar-te assim?), quando os teus pais me receberam na vida deles eu já tinha idade para estar educada e formada enquanto ser humano. Os meus, felizmente, trataram bem disso. Mas de facto somos todos seres inacabados e em constante aprendizagem. É por isso que afirmo, na minha idade adulta com tamanho de criança (que vais querer que brinque contigo), que no lar do colo, do abraço, do sorriso e da ternura dos teus pais tornei-me ainda mais gente. Eles tiveram o dom de me ensinar, moldar, sublinhar valores e princípios que tu vais perceber que farão de ti um ser abençoado por nasceres com uma combinação única de genes e sangue que eu não tenho, mas que conheço muito bem. Alegra-te com isso e dá-lhe sempre o devido valor, porque este “de onde vens” irá acompanhar-te nas tuas escolhas e decisões para o “aonde vais”. Já estás a ser educado, antes de estares aqui, porque os teus pais continuam a educar-se a si mesmos e um com o outro nesta que é a viagem de serem um casal que sabe errar, perdoar, aceitar, lutar e amar todos os dias. E tu vais ser sem sombra de dúvidas um espelho que reflectirá amor, acima de qualquer coisa. Sabes porquê? Porque mais do que respirares amor entre quatro paredes, na casa que foi comprada também a pensar em ti, vais ler amor em cada olhar dos dois para ti. Vem de dentro para fora, contagia-nos! A história de amor dos teus pais é rara. E por isso especial. Eu que me lembro de cada pormenor vou fazer questão de ser a tua contadora de histórias de serviço, só que neste caso nada é ficção. Tu vais crescer a ouvir o mais maravilhoso conto de amor que alguma vez há-de ser inventado… O deles, que também tem o príncipe que vem de longe para conquistar a mais bela princesa, que com entrega e amor se faz rainha com um propósito tremendo. Até a tua primeira casa (o ventre da tua mãe) foi há poucos dias cuidadosamente colocado em limpezas para te receber a ti em breve. Como vês, só falta mesmo tu apareceres!
Olha, bebé, estou ansiosa à espera do dia em que me caibas no colo e disseres o meu nome pela primeira vez. Como será que me vais chamar: mana, tia ou alguns dos infinitos nomes que a mãe já inventou para mim? Será que vais gostar de mim? Vou esforçar-me por te merecer. Assim como faço por regar a planta do que me une aos teus pais enquanto família e a cada um deles enquanto amigos. Eu já te amo, muito! Sabes que nunca “pedi” um bebé aos meus verdadeiros pais como peço aos teus? Num querer que é demasiado forte para ser explicado com os laços da utopia da nossa árvore genealógica. No entanto, há uma coisa importante que quero que saibas por mim: poucos vão ser os momentos em que eu serei maior do que tu, nenhuns vão ser os instantes em que poderei andar eu contigo ao colo, não vamos poder jogar à apanhada, vais ter de pedir a outra pessoa que te ensine a saltar à corda, não vais ver-me a andar na bicicleta ao lado da tua nem a amparar-te quando te sentares nela pela primeira vez, não vai valer a pena pedires-me para ir jogar à bola para o quintal contigo, não vou ser capaz de te dar banho uma única vez e quando for buscar-te à escola também não poderás contar comigo para te carregar a mochila pesada… Vais gostar de mim da mesma maneira? A culpa não é tua. Nunca penses isso. Também não é minha. Não é de pai ou mãe alguma no mundo. Se algum dia te sentires triste por eu não poder fazer nenhuma destas coisas contigo; ainda que te sintas assim por achares que eu também estou triste; não fiques e lembra-te sempre das coisas boas e diferentes que eu posso vir a fazer contigo e tu comigo. Podemos brincar ao faz de conta… faz de conta que és tu o mais velho e portanto tomas tu conta de mim, boa?!
É que a tua responsabilidade neste mundo é imensa e ainda nem o conheces… mas não tenhas medo, terás sempre aqui uma alma (com pouco corpo) para te acompanhar. Prometo-te que sim. Ao mesmo tempo que te aviso: seres o filho de quem vais ser é de facto por si só algo que fará de ti um grande Homem, por isso orgulha-te e agradece a Deus esse presente.
Ah, é verdade, lá em casa (para além de mim que passo lá a vida) também tens dois gatos, o Gaudí e a Matilde. Trata-os bem que eles também já gostam de ti!

Da tua "irmãzinha" MAFY
 
Fonte:  http://gotanocharco.bloguepessoal.com/
  
Para comprar o livro dessa grande escritora > http://lojinha.espaco-cucas.com/livraria/89-mafaldisses.html

O Imperfecta.

 Adriana Dias.

 

Tenho oi.
meus ossos são de cristal
e minha alma se reflete neles,
sentindo, expondo-se,
partindo-se, reconstuindo-se.

tenho oi
minha esclerótida é azul,
minha alma se reflete nela;
meus sonhos são azuis
e azul é o céu
onde minha alma plana,
ascende, encontra-se infinita.

tenho oi,
tenho marcas, cicatrizes
nos ossos, na alma.
tenho sinais na pele,
no rosto, nos olhos,
como todas as pessoas
mas de um jeito muito singular.

tenho oi
e na minha fragilidade
aprendi a respeitar todos os homens,
mulheres e crianças.

tenho oi
e faço dos meus sintomas
um caminho de cura,
de compreensão, de pode contar comigo.

tenho oi;
minha fragilidade me lembra do que é firme,
sólido, real:
a fé.

minha história me denuncia
o que movimenta adaptável:
a esperança.

minha compreensão de mim mesma e do outro
me permite o que é eterno,
insolúvel e inquebrável:
o amor.